Certo dia, uma menina desconhecida desaprendeu-se do ônibus, que outrora viajava entre o município pequeno e a grande cidade. E, por ainda não entender as entrelinhas de uma cidade pequena, apresentou suas dúvidas para onde partiria para alguém da pequena cidade, com os dizeres econômicos: preciso ir ao Conselho Tutelar.
Mas, o que a moça da cidade grande esqueceu, é que os integrantes desse órgão eram nomeados pela população e de conhecimento total de todos, visto a pequenez das ruas e das distâncias, e longitude das línguas dos residentes.
E de certo e de errado, foi-se espalhando por entres as papilas gustativas dos pequeninos moradores, que havia uma nova pessoa trabalhando no órgão ora temido, ora desacreditado na cidade.
Em mais uma viagem, sem saber a reverberação de sua menção, a senhorita tornou a confirmar sua relação com o conselho tutelar. Mas, dessa vez, a dúvida real e urgente, já era dos próprios integrantes do órgão, que botaram a cara na rua a procurá-la, como quem fareja desordem. Que datada a descrição dos transeuntes do veículo automotor, diziam estar de calça e blusa claras, portando bolsa com as insígnias do Conselho Tutelar.
Mas, ora bolas, quem será? Passou pelas rentes cabeças, que ali fornicavam hipóteses, que poderia ser uma fiscal, a mando de gente grande da Casa da Justiça, a mando do Ministério Público. O grande MP.
Por derradeiro que o mistério tornou-se indissolúvel, sem poder se dissolver nas ilusões do povo, pois a moça havia sumido. Não se via ninguém na rua que fosse ela, pois se não fosse ela, era gente conhecida, e gente conhecida da cidade, não era ela.
Grandes e irreverentes histórias foram criadas para explicar o tal sumiço, já que o ônibus não vinha sempre, e não retornara para que ela pudesse zarpar nele sem dar explicações.
Nem carro estranho tinha se submetido nas ruas, a fiscalização se mostrou intensa.
Foi que num salto quase angelical, que lá das paredes do prédio do órgão subjugado, ouviu-se um cântico doce e crianças rindo. O som havia tocada docemente os ouvidos de uma quase moradora. Quase, pois os seus pés ainda estavam levitando sob as calçadas da pequena cidade.
E de lá, de dentro do conselho tutelar, ela pode entender de onde vinha a novidade. Era da casa bonita que se modificava a cada dia. Ontem fachada um pouco morta, hoje viva e reluzente.
Casa que tinha um caminho de entrada de casamento, cheio de plantas. O grande corredor do portão principal, corredor floresta, que era o máximo que algum curioso poderia ver.
E a curiosidade tomou todo o corpo da quase residente, que se pôs a andar em direção a casa, e viu a soslaio a figura doce de uma professora, de blusa e calça clara, e em cima da mesa uma bolsa cheia de bonequinhos felizes desenhados.
Fim do mistério. A moça da cidade grande, e de grandes sonhos, tinha recebido a oferta de dar aulas, na casa de grande gente, e de grandes feitos, de grandes pretensões. E lhe deram um simples indicativo: fica em frente ao Conselho tutelar.
E a casa, apesar de grande, tinha algo muito maior, grande mesmo, era ofertar cultura para toda gente da pequena cidade. Sonho que aqueles que regavam o corredor floresta, cultivam em seus corações.
Corações grandes, em pequenas cidades.
As cidades pequenas tem dessas coisas fortes, de ser uma almagama entre ruas, árvores e pessoas, ninguém entre ou sai sem ser percebido, é viva e voraz. E cheia de belezas internas, de "coisices", de fofocas e meias verdades. Mas, ela se dobra para ver a novidade, que embora possa ser julgada, traz a esperança, traz a grandeza.
Alguém um dia dirá: nas pequenas cidades, há uma grandeza singular.