terça-feira, novembro 05, 2024

hiato

Deveria se chamar o hiato da mãe, ou momento de hiato da mãe. 

Será?

O que seria um hiato?
E para mim, mãe?

No momento mais movimentado do dia: paz.

No hiato de uma mãe, e direi em terceira pessoa, ela se viu absorta na escuridão do que fazer. Havia mil coisas, mas a ação escorrera de suas mãos em pensamentos profundos e rasos de solidão. 
A soletude não era temida por ela, era até querida. Mas, não assim. Do nada, sem planejamento. Ela tinha livro para ler, artigo científico para ler, série para ver, louça para lavar, cama para estender, música para ouvir. E ela não fez nada. Nem comer fazia muito sentido. 
Teimou a distância tentar segurar os fios dos cabelos das filhas, verificar as roupas, o filho está bem?
Cadê meus filhos?
A saudade arrebata. Tentou tomar um banho quente sem interrupções, procurando achar na memória a sensação de esgotamento, e de asfixia daquelas vezes que eles amontoaram por cima dela e pressionaram forte o peito, até ficar sem ar. Era o amor. Era o querer. Um pedaço para cada um dos três filhos. 

Ela não achou. Era só água quente e silêncio. Nada que pudesse dizer: alívio. 
Ao invés disso teve a sensação da pequena no colo, o cheirinho ainda de leite no pescoço, o tom dos cabelos da do meio, o abraço apertado e gostoso do mais velho. Que saudade. 

Eram só horas, mas que saudades. 

Então, como o nada parecia tão afável, ela abraçou a solidão, saudosa, até com lágrimas, e tentou dormir. Por que dormir para mãe era também difícil. A mãe nem sempre dorme. Acorda a madrugada toda, dá peito, preocupa com o cobertor que escorre do corpo da filha, se o filho colocou manga comprida. Ela acorda 5h da manhã, e preocupa. 
Dorme mais um pouco, mais a pouco temos que o acordar o João. Para o João tem que ter carinho e paciência, para a Isis e Juju o colo e beijinho. Lembre da mochila, do remédio. 

A mãe não dorme. 

Vou dormir. No meu hiato, vou dormir.