segunda-feira, março 31, 2025

pequena e grande

As cidades pequenas expressam uma força imagética efêmera. Uma praça adornada com uma bela Igreja estilo barroco, árvores frondosas, casinhas estilos colonial, com seus telhados e acabamentos em madeira, janelas de abas duplas, e cores das mais diversas. Sempre há alguém que repousa por mais tempo do que é necessário nos bancos da praça. Há crianças correndo pelos arredores, carros que contornam as ruas de pedrinhas, como besouros cansados e despreocupados com o tempo. Pois, é assim que as cidades pequenas funcionam, despreocupadas com o tempo.

Certo dia, uma menina desconhecida desaprendeu-se do ônibus, que outrora viajava entre o município pequeno e a grande cidade. E, por ainda não entender as entrelinhas de uma cidade pequena, apresentou suas dúvidas para onde partiria para alguém da pequena cidade, com os dizeres econômicos: preciso ir ao Conselho Tutelar. 

Mas, o que a moça da cidade grande esqueceu, é que os integrantes desse órgão eram nomeados pela população e de conhecimento total de todos, visto a pequenez das ruas e das distâncias, e longitude das línguas dos residentes. 

E de certo e de errado, foi-se espalhando por entres as papilas gustativas dos pequeninos moradores, que havia uma nova pessoa trabalhando no órgão ora temido, ora desacreditado na cidade. 

Em mais uma viagem, sem saber a reverberação de sua menção, a senhorita tornou a confirmar sua relação com o conselho tutelar. Mas, dessa vez, a dúvida real e urgente, já era dos próprios integrantes do órgão, que botaram a cara na rua a procurá-la, como quem fareja desordem. Que datada a descrição dos transeuntes do veículo automotor, diziam estar de calça e  blusa claras, portando bolsa com as insígnias do Conselho Tutelar. 

Mas, ora bolas, quem será? Passou pelas rentes cabeças, que ali fornicavam hipóteses, que poderia ser uma fiscal, a mando de gente grande da Casa da Justiça, a mando do Ministério Público. O grande MP. 

Por derradeiro que o mistério tornou-se indissolúvel, sem poder se dissolver nas ilusões do povo, pois a moça havia sumido. Não se via ninguém na rua que fosse ela, pois se não fosse ela, era gente conhecida, e gente conhecida da cidade, não era ela. 

Grandes e irreverentes histórias foram criadas para explicar o tal sumiço, já que o ônibus não vinha sempre, e não retornara para que ela pudesse zarpar nele sem dar explicações. 

Nem carro estranho tinha se submetido nas ruas, a fiscalização se mostrou intensa. 

Foi que num salto quase angelical, que lá das paredes do prédio do órgão subjugado, ouviu-se um cântico doce e crianças rindo. O som havia tocada docemente os ouvidos de uma quase moradora. Quase, pois os seus pés ainda estavam levitando sob as calçadas da pequena cidade. 

E de lá, de dentro do conselho tutelar, ela pode entender de onde vinha a novidade. Era da casa bonita que se modificava a cada dia. Ontem fachada um pouco morta, hoje viva e reluzente.
Casa que tinha um caminho de entrada de casamento, cheio de plantas. O grande corredor do portão principal, corredor floresta, que era o máximo que algum curioso poderia ver. 

E a curiosidade tomou todo o corpo da quase residente, que se pôs a andar em direção a casa, e viu a soslaio a figura doce de uma professora, de blusa e calça clara, e em cima da mesa uma bolsa cheia de bonequinhos felizes desenhados. 

Fim do mistério. A moça da cidade grande, e de grandes sonhos, tinha recebido a oferta de dar aulas, na casa de grande gente, e de grandes feitos, de grandes pretensões. E lhe deram um simples indicativo: fica em frente ao Conselho tutelar. 

E a casa, apesar de grande, tinha algo muito maior, grande mesmo, era ofertar cultura para toda gente da pequena cidade. Sonho que aqueles que regavam o corredor floresta, cultivam em seus corações. 

Corações grandes, em pequenas cidades. 

As cidades pequenas tem dessas coisas fortes, de ser uma almagama entre ruas, árvores e pessoas, ninguém entre ou sai sem ser percebido, é viva e voraz. E cheia de belezas internas, de "coisices", de fofocas e meias verdades. Mas, ela se dobra para ver a novidade,  que embora possa ser julgada, traz a esperança, traz a grandeza. 

Alguém um dia dirá: nas pequenas cidades, há uma grandeza singular. 


quinta-feira, dezembro 19, 2024

juventude

Sem perceber atropelei com meus ímpetos de juventude a sensibilidade do seu olhar. Mas, no andar da velocidade das pontes, direções e unguentos que me atravessava eu vi..
Vi que a serenidade de como você enxerga o tempo e as coisas eram na verdade muito mais urgentes e necessárias. 
Peguei-me a refletir por acaso , quais seriam as minhas atitudes daqui há um tempo. E quais são já as minhas leituras da vida, em comparação aos mais novos. Certo que na minha experiência, nessa pequena interação, pude enxergar beleza e imensa compaixão. 

Será que ainda seria capaz? 
Será que fui capaz?

Tomara que sim, no futuro e no passado. 

De onde estiver, saiba: te amo.

terça-feira, novembro 05, 2024

hiato

Deveria se chamar o hiato da mãe, ou momento de hiato da mãe. 

Será?

O que seria um hiato?
E para mim, mãe?

No momento mais movimentado do dia: paz.

No hiato de uma mãe, e direi em terceira pessoa, ela se viu absorta na escuridão do que fazer. Havia mil coisas, mas a ação escorrera de suas mãos em pensamentos profundos e rasos de solidão. 
A soletude não era temida por ela, era até querida. Mas, não assim. Do nada, sem planejamento. Ela tinha livro para ler, artigo científico para ler, série para ver, louça para lavar, cama para estender, música para ouvir. E ela não fez nada. Nem comer fazia muito sentido. 
Teimou a distância tentar segurar os fios dos cabelos das filhas, verificar as roupas, o filho está bem?
Cadê meus filhos?
A saudade arrebata. Tentou tomar um banho quente sem interrupções, procurando achar na memória a sensação de esgotamento, e de asfixia daquelas vezes que eles amontoaram por cima dela e pressionaram forte o peito, até ficar sem ar. Era o amor. Era o querer. Um pedaço para cada um dos três filhos. 

Ela não achou. Era só água quente e silêncio. Nada que pudesse dizer: alívio. 
Ao invés disso teve a sensação da pequena no colo, o cheirinho ainda de leite no pescoço, o tom dos cabelos da do meio, o abraço apertado e gostoso do mais velho. Que saudade. 

Eram só horas, mas que saudades. 

Então, como o nada parecia tão afável, ela abraçou a solidão, saudosa, até com lágrimas, e tentou dormir. Por que dormir para mãe era também difícil. A mãe nem sempre dorme. Acorda a madrugada toda, dá peito, preocupa com o cobertor que escorre do corpo da filha, se o filho colocou manga comprida. Ela acorda 5h da manhã, e preocupa. 
Dorme mais um pouco, mais a pouco temos que o acordar o João. Para o João tem que ter carinho e paciência, para a Isis e Juju o colo e beijinho. Lembre da mochila, do remédio. 

A mãe não dorme. 

Vou dormir. No meu hiato, vou dormir.

segunda-feira, junho 26, 2023

Safada que sou

Vou escrever um texto safado. Sobre a grande safadeza que as brumas do cotidiano escondem. "Adultar" vai ser o neologismo que invento agora para xingar essa fase da vida, que nos tira a maioria das horas de safadeza, e nos aplica amores incondicionais sobre filhos, monogamia, trabalho, família. (não que seja ruim, mas é bem um pelo outro). Enquanto passo de um cômodo para o outro ainda ouço aquelas músicas, sabe? Aquelas da nossa época? E vejo a silhueta do meu perfil pela janela, e ainda, ainda assim... Ainda penso safadezas.

sexta-feira, março 31, 2023

crush de Hollywood

Comecei a pensar como gosto do Adam Driver
Gosto do jeito grande e desajeitado dele
Mas, ao mesmo tempo da vulnerabilidade e a ternura
As vezes (papéis) acho ele o pão da pura masculinidade
E isso
E isso não me atrai, ou pelo menos me coloca em alerta: tipo como esses....
Mas, aí você descobre entre os cabelos negros o nariz não tão perfeito, que é tão bonito para mim, por suas pequenas singularidades.
Os olhos pequenos e tão negros, vulneráveis.
Suscetíveis...

No fim, entre jeitos e rostos, o que mais me toma é a vulnerabilidade....

Mostre um pedaço dela e eu cairei ....

domingo, outubro 23, 2022

Fade in to you

Acontece que ela vai precisar de um enredo. E eu teria muitos, arrebatadores. Sensações de encher o peito. Eu poderia até falar de vontade. De chorar de vontade no meio da tarde. Também, posso dizer do dia em que nos deitamos juntos e fizemos amor com gosto de menta. De olhar profundo na sua alma enquanto nos beijávamos. Quando eu a ouço estou sempre prestes a me derramar, quero lembrar. Tive tantos passados, tantos beijos intensos, por que nunca foi um beijo por beijo, eu me derramo, e beijo com a alma, mesmo que seja um pequeno momento. Então, posso lembrar com intensidade de todos nossos beijos e dos beijos que não foram dados, mas que foram de alguma forma desejados, beijos que não nunca mais irão acontecer. Como pode um beijo atravessar a mortal vida? Eu teria te beijado no calor da febre, no meio da estrada, entre as poltronas, entre as cobertas, entre nosso calor. Não acredito que vivemos mais de mil quilometros ansiando um pelo outro.